terça-feira, janeiro 31

Não deixa de ser curioso como a morte do meu avô, pessoa no seu término de vida, me trouxe a beira todas as pessoas da minha infância, lembranças do meu início de ser. Correcto será dizer que por estas alturas está presente uma certa nostalgia, uma saudade que corre à volta do quintal da nossa casa sem se atrever a pedir licença e a ter coragem de entrar na nossa cozinha, no entanto é de ficar ligeiramente estonteado e levantar a questão de como é possível eu não me lembrar de tantas pessoas? Como é que eu me possa ter esquecido dos momentos que passei com elas? Porque não continuam presentes aquelas memórias maravilhosas em que era criança e me escondia na lavandaria onde a minha mãe trabalhava e deixava toda a gente aflita à minha procura, ou como por exemplo uma das amigas da minha mãe sempre me chamou traquinas e sabichão e dizia-me ao ouvido quando estava na presença de uma ou outra rapariga "Vais ser muito bonitinho mas vais ser tão malandro João". O engraçado é que ainda o voltou a dizer hoje, como se nada tivesse mudado. Como é que por exemplo aquela pessoa que já tinha a sua idade na altura, aquela pessoa onde a minha mãe me comprava a roupa quando era um fedelho, continua hoje a ser velha e extremamente elegante do mesmo modo como eu antes a vira?
Questiono-me como será que estas pessoas e personagens se mantêm tão próximas da forma como eu as lembro enquanto criança e eu estou tão diferente do miúdo alegre que fora outrora. Como é que para elas foi fácil reconhecer o meu sorriso quando eu acho que da minha pureza, coisa que tantas elas afirmam que tinha, não resta a absolutamente nada?! Para muita pena minha afirmo eu, pois gostava de perceber em que coisa me tornei e em que merda ainda me vou tornar se continuar assim, como sei lá eu o quê, perdido entre o que fui, sou e o que talvez porra alguma serei.

A morte de alguém querido levanta sempre inúmeros sentimentos e questões. Neste momento paira-me uma certa dúvida de não saber se fui ver o meu avô a enterrar hoje ou se parte de mim já lá estava inerte algures no cemitério à espera dele.

segunda-feira, janeiro 16

A vista e principalmente a perspectiva são uma coisa séria e de ter em conta. Quando nos focamos em determinado ponto perdemos a vista sobre todo o universo que temos à volta. Um contra-senso da visão que me fez focar demasiado na minha dor camuflando o mal que estava a fazer ao alguém que adoro. Preso talvez numa perspectiva egoísta esqueci-me de todos os outros métodos de desenho, pensando talvez que ambas as folhas estavam em branco, até ao momento em que pestanejei e percebi que afinal que tu tinhas desenhado os momentos bons que me proporcionaste e me tens proporcionado, enquanto eu na minha folha tinha pintado as coisas horríveis que te fiz.

Se dizem que o amor é cego este já me devia ter vazado a vista para eu sentir que estavas aqui mesmo ao meu lado, à porta do meu mundo.