segunda-feira, abril 19

Sempre tivemos animais. Cães ou gatos. E já tivemos muitos, mas foram mais os gatos que os cães. Quando o Moisés desapareceu pensamos em não ter mais desses belos felinos, de olhos malandros e de cor doce. Enganámo-nos. Apareceu-nos o Simba, pequeno leão resgatado pelo meu tio da aterrorizante selva que é um parque de estacionamento subterrâneo. Metemo-lo no sotão para não fugir à primeira, mas fugir era algo com que ele não estava preocupado, já que se recusou a sair durante muito tempo e nem a comida que colocávamos à sua porta o era capaz de convidar a ver um pequeno rasgo de sol. A escuridão era a sua casa, a sua dona, levando-me por vezes a pensar que o gato devia ter algum problema físico, que mancasse de uma pata, que tivesse falta de pêlo, enfim, que fosse feio, já que eu nunca havia lhe posto os olhos em cima. Pelo contrário. O gato é de uma beleza única, e hoje em dia gosta tanto de a mostrar como gosta de mostrar os dentes a quem quer que se aproxime, sempre na defensiva, incapaz de baixar a guarda, mesmo para nós. Gostamos muito da forma como arranja engraçados movimentos para se manter a uma distância simpática, mesmo quando não lhe prestamos a mínima atenção este gere sempre a sua manobra como se fosse o centro das atenções, como se de um drible se tratasse e estivéssemos entre ele e a baliza. Tem sido assim mas com o passar dos dias perceberá que fazemos todos parte da mesma equipa, e que todos nos queremos bem, que os tempos em que lutara sozinho contra o mundo acabaram pois aqui ninguém lhe voltará a fazer mal algum.

As pessoas não são como os animais. Os animais nunca poderão ser corajosos como as pessoas porque todo o seu propósito de vida é dado através da experiência, o que faz deles uns matemáticos frustrados que só sabem a tabela de multiplicação, e daí normalmente ouvirmos o ditado gato escaldado, medo de água fria tem. Sempre me mostraste os dentes e meteste as unhas de fora quando te tentei acarinhar, arranjaste manobras muito mais espirituosas para te meteres a andar, e muito embora agora caminhes por esta selva com esses olhos malandros mais calmos, parar para sentir está quieto. Ainda assim gosto mais de ti que do Simba. Afinal de contas sou humano não?