segunda-feira, março 14

Ensaio ao cíume

Não foi nada do outro mundo ou algo que eu já não esperasse mas também não havia necessidade para tanto.
Irrompeu pelo quarto a dentro como já o tinha feito algumas vezes
outrora creio
Entrou, e ao contrário daquelas pessoas que partem convictas de que têm uma palavra a dizer sobre determinado assunto e no momento em que se confrontam com o seu interlocotor perdem a coragem e ficam totalmente estáticas, o Lorde Ciúme soltou o discurso como se de cães de guarda se tratasse, seguro de que defenderiam o seu juízo e entendimento
destemidamente
Pois diz-me como é que és capaz de aturar esta situação. Sinto-me perplexo quando te vejo aí deitado como se tivesses acampado no abrigo daquele que está prestes a ganhar a guerra. Estou pronto a explodir e ainda mais me enerva ver-te tão sossegado.
Não te sentes injustiçado, não te sentes insignificante, não te sentes traído
Traído!
Tudo fizeste para estar daquele lado, teres aquele papel e muito correcto foste em diversas circunstâncias e deixaste-te estar à margem, à espera da decisão, mas sempre houve uma ponta de insurreição, de anti-conformismo.

Conformaste-te, não vejo outra explicação
Desistes não é verdade?
Cobarde
Defende-te perante mim, ao menos, já que não és capaz de te defender perante a trivialidade da vida, contra o banalismo vergonhoso, contra o descrédito.
Fiquei sentado na cama, com a manta por cima do meu corpo, a olhar para aquela figura que por muito se esforce por maquilhar, por se disfarçar, acaba por se revelar sempre a mesma, com as mesmas expressões. Decidi prolongar o vazio entre o tempo da pergunta e o da resposta, como quem quer dar o ar de que realmente estava a assimilar tudo o que se dissera antes e que me preparava agora para dar inicio à minha estratégia de defensa. Dei o ar mas já tinha a lição sabida de outros momentos
Ouve lá, não tens fome? Gostava de comer alguma coisa, respondi, desviando claramente a conversa para aquilo que era para mim no momento uma necessidade, uma verdadeira preocupação
Estava-me a cagar para aquela conversa
Eu não compreendo porque vim viver contigo durante este tempo todo, suspirou o Lorde.
Porque é que me queres aqui se não me prestas atenção, se me gozas com esse desplante, com esse à vontade, disse enquanto dava meia volta e retirava-se do quarto, esmorecido, como um cão que gane aos ouvidos do dono.
Assim que saiu levantei a manta e os lençóis.
Podes sair, disse eu.
Ainda bem que ele não te viu senão seria mais difícil explicar-lhe que ele, tal como outros que já aqui residiram, fazem parte de mim.
Acho que ele realmente entraria num rodopio de loucura se me visse contigo
, disse matreira a Confiança.
Possivelmente. Ele nunca vai perceber
Afinal de contas uma pessoa vai para a cama com quem quer.