domingo, novembro 15

Sinto que sou uma pessoa pensativa. Estou muitas vezes ocupado a meter os meus botões em ordem, esses desordeiros e vadios, infantis grande parte das vezes. Um deles têm-me dado algum trabalho, de tal forma que sou muitas vezes assaltado por um sentimento que vem vestido com vastas cores, umas de tons lânguido, outras de tons apáticos, mas sempre com uma base de carência. É algo que me deixa sem palavras mas o que pode parecer como algo constrangedor é inevitavelmente o ponto de partida para um percurso sem fim à vista. A fonética é obrigatoriamente dispensável quando o assunto em questão é a mudez, pelo menos a fonética banalmente assumida, aquela feita com articulações de palavras, não a autentica, a que é feita de gestos e toques, a que é feita entre eu e tu, tu e ele, ele e ela, eles e nós.

"Para quem usa tanto a palavra não achas que andas a pregar uma religião que não é a tua?" Argumenta o botão.
Respondo-lhe com uma calorosa manifestação gestual, o dedo do meio, a título de defesa.
"Isso quer dizer que gostas de mim em linguagem gestual não é?"
"Não sejas irónico. Não achas que as palavras nos distanciam muito mais do que nos aproximam? Achas que transmitem exactamente aquilo que pensamos, que com elas consegues explicar honestamente o que sentes por outra pessoa, que consegues explicar como te sentes: o que te vai na alma, portanto e popularmente falando?"
"Mas o que é que pretendes, que deixemos de usar palavras para comunicarmos, para nos entendermos, para discutirmos, para pedir perdão, para dizer estás perdoado, para dizer não me abandones, para dizer vai-te embora, para nos amarmos e para nos odiarmos?" Protestava violentamente o botão até que é interrompido pelo momento em que tu chegas, pelo momento em que o quarto fica mais quente e luminoso, pelo instante em que a carência é assassinada com a tua volta. Passas-me a mão pelo cabelo, fazes-me uma festa, beijas-me carinhosamente, pegas na toalha e dizes que vais tomar banho mas a paixão não me deixa ouvir palavras e a minha alma não pode ser apalpada por sons. Desapareces e levas contigo a arma da minha salvação.

Levanto-me da cama e começo a procurar as minhas coisas. Vejo a minha camisa ao fundo da cama, a única peça de roupa que encontro perdida no teu quarto. Apronto-me a vesti-la, um braço de cada vez. Olho-me ao espelho afim de confirmar porque é que não a consigo apertar em condições e comprovo aquilo que já sabia e que não queria assumir: "Onde é que anda aquele botão?"